Sistemas políticos da Alta Birmânia

[...] Os antropólogos sociais que, na esteira de Radcliffe-Brown, usam o conceito de estrutura social como uma categoria por meio da qual se pode comparar uma sociedade com outra pressupõem na verdade que as sociedades de que tratam existem durante todo o tempo em equilíbrio estável. Será então possível descrever, por meio de categorias sociológicas comuns, sociedades que presumivelmente não estão em equilíbrio estável? (LEACH, 1996, p. 67);



Minha conclusão é que, conquanto modelos conceituais de sociedade sejam necessariamente modelos de sistemas de equilíbrio, as sociedades reais não podem jamais estar em equilíbrio. A discrepância está ligada ao fato de que, quando estruturas sociais se expressam sob forma cultural, a representação é imprecisa em comparação com a fornecida pelas categorias exatas que o sociólogo, qua cientista, gostaria de empregar. Digo que essas inconstâncias na lógica da expressão ritual são sempre necessárias para o bom funcionamento de qualquer sistema social. [...] Sustento que essa estrutura social em situações práticas (em contraste com o modelo abstrato do sociólogo) consiste num conjunto de ideias sobre a distribuição de poder entre pessoas e grupos de pessoas. Os indivíduos podem nutrir, e nutrem, ideias contraditórias e incongruentes sobre esse sistema. São capazes de fazê-lo sem embaraço por causa da forma em que suas idéias são expressas. A forma é a forma cultural; a expressão é a expressão ritual (LEACH, 1996, p. 68);

Estrutura social

As estruturas que o antropólogo descreve são modelos que existem apenas em sua própria mente na forma de construções lógicas. [...] As sociedades reais existem no tempo e no espaço. A situação demográfica, ecológica, econômica e de política externa não se estruturam num ambiente fixo, mas num ambiente em constante mudança. Toda sociedade real é um processo no tempo (LEACH, 1996, p. 68 e 69);

Unidades sociais

As unidades políticas na Região das Colinas de Kachin variam grandemente de tamanho e parecem ser intrinsecamente instáveis. Num extremo da escala pode-se encontrar uma aldeia composta de quatro famílias que reivindicam firmemente o seu direito de ser considerada uma unidade plenamente autônoma. No outro extremo temos o Estado Chan de Hsenwi, que antes de 1885, continha 49 subestados (möng), alguns dos quais compreendiam por sua vez mais de cem aldeias separadas. Entre esses dois extremos podemos distinguir numerosas outras variedades de “sociedade”. Esses vários tipos de sistemas políticos diferem uns dos outros não só em escala mas também nos princípios formais dos quais são organizados. [...] a essência de minha tese é que o processo pelo qual as pequenas unidades se desenvolvem em unidades maiores e as grandes unidades se fragmentam em menores não é uma simples parte do processo de segmentação e agregação, é um processo que envolve mudança estrutural (LEACH, 1996, p. 70);

Sistemas de modelo

Quando o antropólogo tenta descrever um sistema social, ele descreve necessariamente apenas um modelo da realidade social. Esse modelo representa, com efeito, a hipótese do antropólogo sobre “o modo como o sistema social opera”. As diferentes partes do sistema de modelo formam, portanto, necessariamente, um todo coerente – é um sistema em equilíbrio. Isso porém não implica que a realidade social forma um todo coerente; ao contrário, a situação real é na maioria dos casos cheia de incongruências; e são precisamente essas incongruências que nos podem propiciar uma compreensão dos processos de mudança social (LEACH, 1996, p. 71);
Em situações como as que encontramos na Região das colinas de Kachin, podemos considerar que qualquer indivíduo particular detém uma condição social em sistemas sociais diferentes ao mesmo tempo. Para o próprio indivíduo, tais sistemas apresentam-se como alternativas ou incongruências no esquema de valores pelo qual ele ordena sua vida. [...] Em matéria política, os kachin têm diante de si dois modos de vida totalmente contraditórios. Um deles é o sistema chan de governo, que se assemelha a uma hierarquia feudal. O outro é [...] organização de tipo gumlao; é um sistema essencialmente anarquista e igualitário. [...] A maioria das autênticas comunidades kachins não são nem do tipo gumlao nem do tipo chan, mas estão organizadas segundo um sistema [...] gumsa, que é, com efeito, uma espécie de compromisso entre o ideal gumlao e o chan (LEACH, 1996, p. 71 e 72);

Ritual

O ritual [...] “serve para expressar o status do indivíduo enquanto pessoa social no sistema estrutural em que ele se encontra temporariamente” (LEACH, 1996, p. 74);
O mito [...] é a contrapartida do ritual; mito implica ritual, ritual implica mito, ambos são uma só e a mesma coisa. [...] Os mitos, pra mim, são apenas um modo de descrever certos tipos de comportamento humano (LEACH, 1996, p. 76 e 77);

Interpretação

[...] ação ritual e crença devem ser entendidas como formas de afirmação simbólica sobre a ordem social. [...] Suponho que todos os seres humanos, qualquer que seja a sua cultura e o seu grau de complexidade mental, tendem a construir símbolos e a fazer associações mentais do mesmo tipo geral. [...] suponho que com paciência eu, um inglês, posso aprender a falar qualquer outra língua verbal – por exemplo, kachin. Além disso, suponho que então serei capaz de dar uma tradição aproximada em inglês de qualquer afirmação verbal comum feita por um kachin. [...] suponho que posso, com paciência, chegar a compreender aproximadamente até mesmo a poesia de uma cultura estrangeira e que posso então comunicar a outros essa compreensão. Da mesma maneira, suponho que posso dar uma interpretação aproximada mesmo de ações não-verbais, como itens do ritual. [...] Estou afirmando que onde quer que eu encontre um “ritual” (no sentido em que o defini) posso, como antropólogo, interpretá-lo (LEACH, 1996, p. 77 e 78);
O ritual em seu contexto cultural é um modelo de símbolos; as palavras com que o interpreto são outro modelo de símbolos composto largamente de termos técnicos inventados por antropólogos – palavras como linhagem, classe, status etc. os dois sistemas de símbolo têm algo em comum, a saber, uma estrutura comum. [...] A estrutura que é simbolizada no ritual é os sistema das relações “corretas” socialmente aprovadas entre indivíduos e grupos. Essas relações não são formalmente reconhecidas em todos os tempos. [...] Os desempenhos rituais tornam momentaneamente explícito aquilo que de outro modo é ficção (LEACH, 1996, p. 78);

Estrutura social e cultura

A cultura proporciona a forma, a “roupagem” da situação social. [...] Porém a estrutura da situação é largamente independente de sua forma cultural. [...] Admito que as diferenças de cultura são estruturalmente significativas, mas o mero fato de dois grupos de pessoas serem de cultura diferente não implica necessariamente – como quase sempre se supôs – que pertençam a dois sistemas sociais totalmente diferentes (LEACH, 1996, p. 79);
Para os meus propósitos, o que tem significado real é o modelo estrutural básico, e não o modelo cultural manifesto. Estou interessado não tanto na interpretação estrutural de uma cultura particular, mas no modo como as estruturas particulares podem admitir várias interpretações culturais e no modo como as estruturas diferentes podem ser representadas pelo mesmo conjunto de símbolos culturais. Ao tratar desse tema, procuro demonstrar um mecanismo básico da mudança social (LEACH, 1996, p. 80); 

Chans

Agricultores de arroz irrigado que habitam o vale. Budistas. Classes estratificadas em aristocratas, plebeus e casta inferior. À exceção de alguns plebeus da casta inferior, todos os chans falam algum dialeto tai. Organizados politicamente em Estados (möng), tendo cada Estado seu príncipe hereditário (saohpa). Esses möngs vivem às vezes em isolamento; às vezes são federados como unidades de um möng maior (LEACH, 1996, p. 117);  

Kachins

[...] categoria geral para denotar todos os povos da Região das Colinas de Kachin que não são budistas (nem mesmo teoricamente). Essa categoria kachin inclui falantes de vários dialetos diferentes [...] A sociedade kachin inclui numerosas formas de organização política, mas estas podem ser enfeixadas em dois tipos polarizados, gumlao e gumsa: Kachin gumlao – espécie de organização “democrática” em que a entidade política é uma aldeia única e não existe diferença de classes entre aristocratas e plebeus; Kachin gumsa – espécie de organização “aristocrática”. A entidade política é aqui um território chamado mung [...] que tem a governá-lo um príncipe de sangue aristocrático denominado duwa, que assume o título de Zan (LEACH, 1996, p. 118);

Método do autor

Presumo que dentro de uma área definida de forma um tanto arbitrária – isto é, a Região das Colinas de Kachin – existe um sistema social. Os vales entre as colinas estão incluídos nessa região, de modo que os chans e os kachins são, nesse nível, parte de um sistema social único. Dentro desse sistema social maior existem, num período dado, um número de subsistemas significativamente distintos que são interdependentes. Três desses subsistemas poderiam ser classificados como chan, kachin gumlao e kachin gumsa. Considerados simplesmente como modelos de organização, podemos pensar esses subsistemas como variações sobre um tema. A organização kachin gumsa modificada numa direção seria indistinguível da dos chans; modificada noutra direção, seria indistinguível da kachin gumlao. Consideradas historicamente, tais modificações realmente ocorrem, e é lícito falar de kachins que se tornaram chans ou de chans que se tornaram kachins. Quando, pois, eu, na qualidade de antropólogo, examino uma dada localidade kachin ou chan, devo reconhecer que qualquer equilíbrio do tipo que parece existir pode ser, na verdade, um equilíbrio muito transitório e instável. Além disso, devo estar constantemente ciente da interdependência dos subsistemas sociais. Em particular, se examino uma comunidade kachin gumsa, devo esperar que grande parte do que constatar pode ser ininteligível, a não ser por referência a outros modelos de organização correlatos, por exemplo, chan ou kachin gumlao (LEACH, 1996, p. 121).


Referência Bibliográfica

LEACH, Edmund Ronald. Sistemas políticos da Alta Birmânia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
 

O que pensa Raymond Firth?



Os conceitos de estrutura, função, instituição e organização social para Raymond Firth 


O conceito de estrutura social é um recurso analítico que serve para compreender como os homens se comportam socialmente. As relações sociais, de importância crucial para o comportamento dos membros da sociedade, constituem a essência do conceito de estrutura, de tal sorte que, se estas relações não operassem, a sociedade não existiria sob essa forma (FIRTH, 1973, p. 36 e 37);

Cada ação social pode ser pensada como tendo uma ou mais funções sociais. Função social pode ser definida como sendo a relação entre uma ação social e o sistema do qual a ação social faz parte, ou, alternativamente, com o resultado da ação social em termos de um esquema de meios e de fins de todas as outras ações por ela afetadas. [...] Nenhuma ação social, nenhum elemento da cultura pode ser adequadamente estudado ou definido isoladamente. Seu significado é dado por sua função, pela parte que ele desempenha num sistema de interações (FIRTH, 1973, p. 38 e 39);

A instituição é o conjunto de valores e princípios estabelecidos tradicionalmente. [...] A instituição é mantida por meio de um aparato material, cuja natureza pode ser entendida somente pela consideração dos usos para os quais ele serve, e por um pessoal recrutado em grupos sociais apropriados (FIRTH, 1973, p. 39);


Organização social implica algum grau de unificação, a união de diversos elementos numa relação comum. Para isto, pode ser conveniente supor a existência de princípios estruturais, ou vários processos podem ser adotados. Isto envolve o exercício da escolha, o tomar decisões. Estas, como tais, dependem de avaliações pessoais, que são a transformação dos fins ou valores grupais em termos que adquiram significado para o indivíduo. [...] Implica o reconhecimento do fator tempo na ordenação das relações sociais. [...] O conceito de organização social, também, leva em conta as magnitudes. [...] pressupõe também elementos de representação e responsabilidade. [...] O conceito de organização social é importante também para a compreensão da mudança social (FIRTH, 1973, p. 41 e 43);

Neste aspecto da estrutura social se encontra o princípio de continuidade da sociedade; no aspecto da organização se encontra o princípio de variação ou mudança – que permite a avaliação da situação e a escolha individual (FIRTH, 1973, p. 46).



Referência Bibliográfica

FIRTH, Raymond. Organização social e estrutura social. In: CARDOSO, F. H.; IANNI, O. (Orgs.). Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. 8 ed. São Paulo: Editora nacional, 1973.
 

Galleria




As fotografias acima retratam um evento muito particular: é a conferência de paz entre "Nuers e Dinkas" que aconteceu no próprio Sudão em 1999.


Fonte: Washington Post
 

Documentários


Alguns vídeos para reflexão e estudo baseado no trabalho dos mais notáveis autores da Antropologia  Britânica.  É importante ressaltar que os vídeos estão em inglês e não possuem legendas.









 

A Antropologia Britânica



Segundo Laplantine (1988), a antropologia britânica pode ser caracterizada como: 


1) antievolucionista: oposição a uma compreensão histórica do social (as reconstruções hipotéticas dos estágios, indo das sociedades “primitivas” às “civilizadas”, bem como a abordagem da historiografia). Dedica-se preferencialmente à investigação do presente a partir de métodos funcionais (Malinowski), e, em seguida estruturais (Radcliffe-Brown): a sociedade deve ser estudada em si, independentemente de seu passado, tal como se apresenta no momento no qual a observamos. Modelo sincrônico; 
2) antidifusionista; uma sociedade não deve ser explicada nem pelo que herda de seu passado, nem pelo que empresta a seus vizinhos; 
3) de campo:  esse caráter empírico (observação direta de uma determinada sociedade, a partir de um trabalho exigindo longas estadias no campo) e indutivo da prática dos antropólogos ingleses apóia-se numa longa tradição britânica: o empirismo dos filósofos desse país; 
4) e social:  pois ao contrário da antropologia americana, privilegia o estudo da organização dos sistemas sociais em detrimento dos comportamentos culturais dos indivíduos.

Para Eriksen e Nielsen (2010), Malinowski e Radcliffe-Brown fundaram duas “linhagens” na antropologia inglesa que competiam diretamente em alguns aspectos e complementarmente em outros. Em 1930, havia efetivamente apenas um centro acadêmico da nova antropologia na Grã-Bretanha, com sede na London School of Economics e dirigido de 1924 a 1938 por Malinowski, sob o olhar de Seligman. Na LSE Malinowski ensinou a quase toda a geração seguinte de antropólogos britânicos: Firth, Evans-Pritchard, Fortes, Leach dentre outros nomes ilustres. Em Oxford, a velha guarda reinou até meados da década de 1930, quando Evans-Pritchard e depois Radcliffe-Brown chegaram para construir um refúgio para o estrutural-funcionalismo. A década de 1940 na Grã-Bretanha pertenceu a Radcliffe-Brown, a Oxford e a um estruturalismo sociológico. Havia, portanto, na antropologia britânica, um grupo centrado em Oxford e outro sediado na London School of Economics, mas tanto Malinowski como Radcliffe-Brown exerceram uma influência duradoura sobre a antropologia social: os métodos de campo de Malinowski foram adotados por membros do outro campo e todos tiveram que levar em consideração os conceitos de estrutura e função e a conseqüente “ciência do parentesco” de Radcliffe-Brown durante pelo menos uma década depois de sua morte.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ERIKSEM, Thomas Hylland Eriksen; NIELSEN, Finn Nielsen. História da Antropologia. 4 ed. Petrópoles: Vozes, 2010.

LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.

 

Um pouco sobre Radcliffe-Brown


BIOGRAFIA


Alfred Reginald Radcliffe-Brown pertencia à geração de Malinowski, mas o seu contexto familiar não era cosmopolita e intelectual, e sim da classe operária inglesa. Ele nasceu em Sparkbrook, Birmingham, em 1881. Quando tinha cinco anos, faleceu-lhe o pai, deixando sua mãe na penúria. Ela trabalhava como “dama de companhia”, ficando as crianças aos cuidados da avó. “Rex” era aluno bolsista na King Edward’s School, em Birmingham, mas antes dos 18 anos trocou a escola por um emprego na biblioteca daquela cidade. Seu irmão mais velho, Herbert, encorajou-o a prosseguir nos estudos e sustentou-o enquanto cumpria um ano de ciências pré-médicas na Universidade de Birmingham. Ganhou depois uma bolsa de estudos do Trinity College, Cambridge, e em 1902 começou a preparar-se para os exames finais em Ciências Morais. O desejo de Brown era fazer exames de Ciências Naturais em Cambridge, mas o seu diretor de estudos insistiu em que era preferível apresentar-se em Ciências Mentais e Morais. (KUPER, 1978, p. 52). Foi incentivado por seus professores, especialmente Rivers, a mudar-se para Cambridge e estudar antropologia, tornando-se, em 1904, o primeiro aluno de Rivers em Antropologia.  [...] Em 1926 mudou o seu nome, por registro em cartório, para Radcliffe-Brown, incorporando o nome de sua mãe; Estabeleceu a Antropologia Social na Cidade do Cabo e em Sidney, e recriou-a à sua própria imagem e semelhança em Chicago e Oxford. A ocupação da cátedra em Oxford permitiu-lhe estabelecer uma ascendência sobre a Antropologia Social britânica que durou até à sua morte em 1955 (KUPER, 1978, p. 53 e 56).


CRONOLOGIA


1881 – Nasce em Birmingham, Inglaterra, a 17 de janeiro.
1901 – Ganha uma bolsa (scholarship) no Trinity College em Cambridge.
1904 – Cola grau com honra de primeira classe e distinção especial.
1906 – É escolhido como Anthony Wilkin Student in Ethnology e nessa qualidade parte para fazer pesquisa entre os nativos das ilhas Andaman, no golfo de Bengala.
1906/08 - Faz pesquisas entre os andamaneses.
1909/ 1910 – Trabalha como professor (reader) de Etnologia na London School of Economics. Nessa época, visita a frança e entra em contato com Durkheim e Mauss.
1910 - Viaja para a Austrália com o fim de realizar pesquisa entre os aborígines.
1913 – Retorna à Inglaterra.
1914 – Participa de uma reunião da British Association for the Advancement of Science realizada na Austrália, onde apresenta uma comunicação sobre o totemismo australiano.
1916/19 – Trabalha como Diretor de Educação no Reino de Tonga.
1921/26 – Cria o Departamento de Antropologia da Cidade do Cabo.
1922 – Publica The Andaman Islanders.
1926/31 – Ocupa a primeira “cátedra” de Antropologia Social na Universidade Nacional Australiana em Sidney.
1930 - Publica The Social Organisation of Australian Tribes.
1931/37 – Leciona na Universidade de Chicago.
1935/1936 – Interrompe sua permanência nos Estados Unidos por um certo tempo, passando a ser professor visitante em Yenching, na China.
1937/46 – Ocupa a cadeira de Antropologia em Oxford.
1942/1944 – Professor visitante em São Paulo.
1946 – Renuncia à cadeira de Antropologia Social de Oxford e é imediatamente convidado para estabelecer o Departamento de Sociologia da Universidade de Faruk I, em Alexandria.
1950 – É escolhido Simon Visiting Professor da Universidade de Manchester.
1954 – Já doente dos pulmões, agrava sua moléstia com um tombo que quebra algumas costelas. Retorna à Inglaterra. 
1955 – Em janeiro deste ano, levanta-se do leito de um hospital para presidir uma reunião realizada pela Association of Social Anthropologists, onde emociona-se com a ovação que recebe dos antropólogos, entre os quais se encontrava grande número de jovens com quem nunca tivera contato. Morre em 24 de outubro, em Londres.


FONTES TEÓRICAS


Entre os seus professores estavam Myers e Rivers, ambos psicólogos médicos e veteranos da expedição aos Estreitos de Torres, o empreendimento pioneiro em Cambridge na área da pesquisa antropológica de campo. O curso abrangia Psicologia e Filosofia, incluindo a Filosofia da Ciência, que era lecionada em parte por Alfred North Whitehead. [...] Guiado por Rivers e Haddon, Brown realizou um estudo das Ilhas Andaman em 1906-8. [...] A sua monografia inicial sobre Andaman concentrou-se em problemas etnológicos e refletia as propensões difusionistas de Rivers. Entretanto, não tardou em converter-se à concepção durkheimiana da sociologia [...] ao voltar-se para Durkheim, ele fazia parte de um movimento bastante generalizado na Grã-Bretanha nessa época. [...] Tal como o anarquismo de Kropotkine, para o qual Brown fora atraído enquanto estudante, a sociologia de Durkheim continua uma visão essencialmente otimista da possibilidade de auto-realização do homem numa sociedade metodicamente ordenada (KUPER, 1978, pp.52-54);


Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar o indivíduo principalmente como produto da sociedade. Enquanto Malinowski preparava seus alunos para irem a campo e procurarem as motivações humanas e a lógica da ação, Radcliffe-Brown pedia aos seus que descobrissem princípios estruturais abstratos e mecanismos de integração social [...]. Os “mecanismos” que Radcliffe-Brown esperava identificar eram de origem durkheimiana, análogos talvez às representações coletivas de Durkheim. Mas Radcliffe-Brown alimentava esperanças explícitas de transformar a antropologia numa ciência “real”, um objetivo que provavelmente não fazia parte dos planos de Durkheim. Em A Natural Science of Society, seu último livro (baseado numa série de palestras proferidas em Chicago em 1937 e publicado postumamente em 1957), ele explica a natureza dessa esperança (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 59);


Desde de Morgan os antropólogos estavam conscientes de que o parentesco era uma chave para compreender a organização social em sociedades de pequena escala. O que ainda não estava muito claro era o que essa chave abria. O uso durkheimiano, por parte de Radcliffe-Brown, da antiga idéia de Maine do parentesco como sistema “jurídico” de normas e regras tornou possível explorar cabalmente o potencial analítico do parentesco (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 60).  


A especificidade de Radcliffe-Brown era o sistema de parentesco e foi esse o campo em que teve maior liberdade para desenvolver os seus próprios insights, uma vez que Morgan e Rivers tinham-se baseado em explicações históricas de parentesco e a escola de L’Année Sociologique negligenciara inteiramente o tópico [...] O eixo central do sistema de parentesco era a família – uma noção que Radcliffe-Brown tomou de Westermarck (KUPER, 1978, p.74 e 75);


Radcliffe-Brown sofreu a influência das teorias sociológicas de Durkheim antes da I Guerra Mundial, e os anos produtivos de sua carreira foram dedicados à aplicação dessa teoria às descobertas dos etnógrafos; uma atividade que ele compartilhou durante a maior parte de sua vida com Mauss, sobrinho de Durkheim [...] mas ele também permaneceu um evolucionista na tradição de Spencer (KUPER, 1978, p. 52 e 65);


Radcliffe-Brown compartilhou sempre do ponto de vista de Durkheim e Roscoe Pound, um ponto de vista relacionado “não com as funções biológicas mas com as funções sociais, não com o ‘indivíduo’ biológico abstrato mas com ‘pessoas’ concretas de uma sociedade (KUPER, 1978, p. 82).


CONCEITOS


Para Radcliffe-Brown, a antropologia é a “ciência natural da sociedade”: as sociedades são sistemas naturais que devem ser estudados segundo os métodos comprovados pelas ciências da natureza e a antropologia social não é profundamente diferente da sociologia, mas sim uma “sociologia comparativa”.


[...] a “estrutura social” [...] não é uma abstração. Ela consiste na “soma total das relações sociais de todos os indivíduos num dado momento do tempo. Embora não possa ser naturalmente vista em sua integridade em qualquer momento dado, podemos observá-la; toda a realidade fenomenal aí está”. [...] A forma estrutural está explícita em “usos sociais”, ou normas sociais, os quais se reconhece geralmente como obrigatórias e são largamente observados. [...] Um uso ou norma social “não é estabelecido pelo antropólogo... é caracterizado pelo que as pessoas dizem sobre as regras numa dada sociedade e pelo que fazem a respeito delas”. [...] Nascem novos membros da sociedade, o velho chefe morre e é substituído, pessoas se divorciam e voltam a casar; mas persistem os usos sociais. A estabilidade da forma estrutural depende da integração de suas partes e do desempenho por essas partes de determinadas tarefas que são necessárias à manutenção da forma. São essas as “funções” das partes do sistema. (KUPER, 1978, pp. 68-70);
[...] função é a contribuição que determinada atividade proporciona à atividade total da qual é parte (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 224); 

A sociedade se mantém coesa por força de uma estrutura de regras jurídicas, estatutos sociais e normas que circunscrevem e regulam o comportamento. Na obra de Radcliffe- Brown a estrutura social existe independentemente dos atores individuais que a reproduzem. As pessoas reais e suas relações são meras agenciações da estrutura, e o objetivo último do antropólogo é descobrir sob o verniz de situações empiricamente existentes os princípios que regem essa estrutura. [...] A articulação feita por Radcliffe-Brown entre teoria social durkheimiana e materiais etnográficos e suas ambições no interesse da disciplina geraram um programa de pesquisa novo e atraente a quem afluíram pesquisadores talentosos, fato que por sua vez aumentou o prestígio da teoria (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 59 e 60);


Radcliffe-Brown concebeu um sistema de parentesco e casamento como um conjunto de usos sociais interligados que se baseavam no reconhecimento de certas relações biológicas para fins sociais. Ao investigar esse sistema concentrou-se em dois de seus aspectos: 1) os usos que governam as relações entre parentes e 2) os termos usados para se dirigir a parentes ou fazer-lhes referências. Todo e qualquer sistema classificatório funcionava segundo uma combinação de três princípios básicos: 1) princípio de “a unidade do grupo sibling”: irmãos e irmãs compartilhavam de um sentimento de solidariedade e eram tratados como uma unidade pelas pessoas de fora; 2) princípio de unidade do grupo de linhagem: as sociedades que operam com terminologias classificatórias de parentesco também possuem comumente linhagens (grupos solidários formados pelos descendentes numa linha de um só ancestral); 3) princípio de geração. A análise desses princípios pode ser vista em seu estudo das relações de gracejo (KUPER, 1978, p. 75-77). 


TRABALHO DE CAMPO


Ele realizou trabalho de campo de 1906-1908, nas Ilhas Andaman, a leste da Índia, e publicou um relatório de campo, muito bem recebido, no estilo difusionista (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 58); [...] a observação direta era de escassa utilidade, e tinha que depender das recordações dos informantes. [...] Na época em que a sua monografia foi publicada (1922), [...] no que dizia respeito à pesquisa de campo, contentou-se em descrever o trabalho como um estudo de aprendizado, e apoiou-se maciçamente nos relatos etnográficos de um antigo residente das ilhas, E. H. Man, embora divergindo de suas interpretações especulativas. Foi para o campo como etnólogo e seu objetivo inicial, refletido em seu primeiro relato, era reconstituir a história dos andamaneses e dos negritos em geral (KUPER, 1978, p.58);


Quando Radcliffe-Brown partiu para a Austrália em 1910 [...] ficou uma vez mais evidente que o seu trabalho era etnografia “de levantamento e de aproveitamento de salvados”, [...] era estéril em comparação com o tipo de trabalho de campo de que Malinowski estava realizando nas Trobriand. [...] A preocupação central de Radcliffe-Brown em seu trabalho australiano foi com o sistema de parentesco e casamento, algo que ele não tratara com muita autoridade em seu estudo de Andaman (KUPER, 1978, p. 60 e 61).  


CONTEXTO ETNOGRÁFICO


A maioria do trabalho de Radcliffe-Brown nas Ilhas Andaman foi realizado na Grande Andaman, isto por razões de dificuldade linguística. Acampou durante três meses na Pequena Andaman e fez um grande esforço para aprender a língua, até que finalmente desistiu, desesperado. Na Grande Andaman trabalhou inicialmente em indostânico, o qual era geralmente – ainda que de modo imperfeito – entendido pelos adultos mais jovens, e, depois de certo tempo, nos dialetos locais. Contudo, considerou que só conseguira realizar progressos substanciais na parte final de sua estada, quando descobriu um informante inteligente que falava inglês. [...] O arquipélago de Andaman tinha então uma população inferior a 1.300 habitantes e na época do estudo de Radcliffe-Brown já tinha sido tristemente afetado por epidemias de sarampo e sífilis, após a instalação de uma colônia penal e o início da colonização européia (KUPER, 1978, p.57);


Quando Radcliffe-Brown partiu para a Austrália em 1910 levou Grant Watson com ele, [...] a Sra. Daisy bates, etnógrafa amadora e filantropista, [...] e um marinheiro sueco, Olsen, que seguia como criado. [...] O primeiro destino da expedição era o local de um corroboree a leste de Sandstone, e o grupo estava começando a instalar-se para “iniciar a parte principal dessa tarefa, que consistia em organizar sistematicamente os fatos pertinentes ao sistema matrimonial de quatro classes”, quando foi interrompido por uma batida policial. Entretanto, depois desse incidente, os aborígenes mostraram-se relutantes em continuar suas cerimônias. 


Radcliffe-Brown decidiu partir e, depois de uma altecação acalorada, abandonou a Sra. Bates, deixando-a entregue a sua sorte. Levou o resto do grupo para a Ilha Bernier, local de um hospital em regime de isolamento sanitário para aborígenes contaminados por doenças venéreas. Os ocupantes tinham sido em sua grande maioria seqüestrados e removidos à força para à ilha, e Radcliffe-Brown prosseguiu com esses infelizes informantes as suas pesquisas sobre os tradicionais sistemas matrimoniais aborígenes. Após um ano no campo, Watson partiu; acompanhado de Olsen, Radcliffe-Brown continuou estudando outras comunidades aborígenes estabelecidas em redor de postos missionários ao longo do Rio Gascoyne. As suas investigações na Austrália Ocidental foram guiadas em parte por sua conclusão, decorrente de um estudo da literatura, de que seria lícito esperar o aparecimento na área de uma certa variação de estrutura típica e essa conjectura foi recompensada por sua descoberta do sistema Kariera em 1911 (KUPER, 1978, p.59 e 60). 


PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA


The Andaman Islanders (1922)
The Social Organisation of Australian Tribes (1930-31) 
Structure and Function in Primitive Society (1952)
A Natural Science of Society (1957)




RADCLIFFE-BROWN NO BRASIL


Em 1942, Radcliffe-Brown interrompe suas atividades na Inglaterra para vir ao Brasil como professor visitante da Universidade de São Paulo (na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo). Tratava-se de uma missão empreendida sob os auspícios do Conselho Britânico para manter uma ligação cultural entre a Grã-Bretanha e a América do Sul. Essa missão por pouco não se teria realizado, pois o comboio em que Radcliffe-Brown embarcara foi atacado por forças inimigas, tendo de voltar à Inglaterra pouco depois de sair (MELATTI, 1978). 
Em 1944, Radcliffe-Brown, à época residente em São Paulo, concedeu uma entrevista ao jornal Diário da Noite (27 de maio de 1944), opinando no sentido de retalhamento da Alemanha, e Antonio Candido, que escrevia regularmente para a Folha da Manhã, viu-se compelido a publicar uma resposta, dedicando uma coluna a contradizer as opiniões do mestre inglês. Nesse período, Radcliffe-Brown tinha 63 anos e Antonio Candido 26. A função de Radcliffe-Brown no Brasil era de diretor da Cultura Inglesa, mas também dava aulas na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, na Divisão de Estudos Pós-graduados, onde era assistido por Antônio Rubbo-Muller (em 1939, Radcliffe-Brown recebeu Rubbo-Muller na Universidade de Oxford para fazer seu doutorado, solicitando-lhe que redigisse um trabalho sobre os índios da América do Sul). Antonio Candido era assistente de Ciências Sociais na USP, apesar de ter feito sua Livre-Docência em Literatura Brasileira. O jovem conheceu pessoalmente o mestre quando quis ter acesso à biblioteca da Cultura Inglesa, mas apesar de o ter vislumbrado várias vezes passando pelas ruas da cidade, Antonio Candido não voltou a encontrar-se com Radcliffe-Brown. Segundo Thomaz e Cabral (2011), na tese de doutoramento de Antonio Candido, Os parceiros do Rio Bonito, a inspiração do estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown é patente. Tanto a entrevista com Radcliffe-Brown como a de Antonio Candido encontram-se no artigo Radcliffe-Brown v. Antonio Candido: um debate inacabado, disponível nesse blog. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ERIKSEM, Thomas Hylland Eriksen; NIELSEN, Finn Nielsen. História da Antropologia. 4 ed. Petrópoles: Vozes, 2010.
KUPER, Adam. Radcliffe-Brown. In: Antropólogos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
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Malinowski e sua contribuição à Atropologia




BIOGRAFIA

Bronislaw Kasper Malinowski ,antropólogo polaco, nasceu na Cracóvia em 7 de abril de 1884 e faleceu em 16 de maio de 1942, em New Haven, EUA.  Era filho de Lucjan Malinowski, professor de filosofia e linguística da Universidade de Cracóvia. É considerado um dos fundadores da antropologia social. Malinoswki chegou à antropologia por caminhos transversos. Sua formação inicial foi no campo das ciências exatas, tendo obtido em 1908 o doutoramento em física e matemática pela universidade de Cracovia, sua cidade natal. Nessa época tinha apenas 24 anos de idade. Teve que interromper sua carreira cientifica logo depois de formado, por motivos de saúde. Impedido de trabalhar leu, como distração, a famosa obra de Sir James Frazer, The Golden Bough, que o atraiu definitivamente para a antropologia e que exerceu influência profunda em sua formação. Dirigiu-se então para Leipzig onde, em breve permanência, iniciou-se em sua nova vocação sob a orientação de Karl Bucher e Wilhelm Wundt. Em 1910 já estava na Inglaterra, tendo sido admitido na London School of Economics como aluno de pós-graduação.  Em 1913, publicou a obra “The Family Amoong the Australian Aborigenes”, criticando o evolucionismo. A partir de 1915, redigiu a primeira monografia etnográfica na Nova Guiné, deste estudo originou-se a obra “Os Argonautas do pacífico oeste”, publicado em 1922. Além do pacífico, trabalhou com tribos da Austrália, do Arizona, da África oriental e do México. Como teórico, é considerado o fundador do funcionalismo, escola antropológica que pretende analisar as instituições sociais em términos de satisfações coletivas de necessidades, considerando cada sociedade como um sistema fechado e coerente; por este motivo se opõe a aplicação reducionista do pensamento evolucionista da época. Desenvolveu um método de investigação de campo, na qual executou inicialmente na Austrália com os povos Mailu e das Ilhas Trobriand. Malinowski  Além de seu trabalho de campo, lecionou na Universidade de Londres, Universidade de Cornell e de Harvard.

FONTES TEÓRICAS

A publicação, em 1899, das investigações desenvolvidas por Spencer e Gillen entre os aborígines australianos demonstrou as grandes potencialidades do trabalho de campo e a importância das informações obtidas por meio de observação direta para a resolução dos problemas teóricos colocados pela antropologia. Só essa obra inspirou pelo menos três grandes trabalhos(...): As formas elementares da vida religiosa de Durkmeim(1858-1917), Totem e Tabu, de Freud(1856-1939), e A família entre os aborígenes australianos, o primeiro livro de Malinowski, todos publicados em 1913.

Os primeiros trabalhos de Malinowski,assim como os de Radeliffe-Brown têm, sem duvida uma forte influência de Durkmeim, que forneceu a ambos a formulação inicial dos conceitos de função e de integração funcional.Com os quais essa nova geração de antropólogos procurou construir um método próprio e chegar a uma nova teoria antropológica.

A crítica contra a abordagem antifuncional presente em Malinowski foi desenvolvida devido a uma grande influência absorvida da obra de Durkmeim, (tipo primitivo da divisão do trabalho social e a análise da religião e magia), essa mesma influência causada pelas idéias de Durkheim em Malinowski foi provocada em Radeliffe-Brown acerca do funcionalismo e com isto os Antropólogos costumam dizer que Malinowski e Radcliffe-Brown são os percussores do funcionalismo na antropologia. Todavia Malinowski atribui investigações antropológicas funcionais na época evolucionista. Assim, as considerações de Malinowski levam a crer que ele não se situa como o pai do funcionalismo, mas como o pioneiro de um “Funcionalismo Etnográfico” ou “Etnografia Funcionalista” na antropologia, até porque Radcliffe-Brown era Estrutural-Funcionalista.

CONCEITOS

Funcionalismo

Segundo Malinowski o funcionalismo preocupa-se com a clareza dos fenômenos naturais, antes que estes sejam submetidos a manipulações especulativas posteriores.

Cultura

A cultura é um sistema que envolve a totalidade do substrato material de um povo, isto é, os objetos,as atividades e atitudes, no qual cada uma das partes existe como um meio para um fim. É uma totalidade em que os diversos elementos são integrados, e tais atividades objetos e atitudes, estão organizadas em torno de tarefas em instituições como a família, e a cultura que podem ser analisadas sobre diversos aspectos como, a educação, controle social, economia, sistemas de conhecimento, crença e moral . O processo cultural envolve sempre seres humanos que se relacionam entre si, de maneira precisa e organizada num sistema de cooperação para o alcance de um fim.

Função em Malinowski

 Refere-se ao papel que joga um aspecto em relação ao resto da cultura e em última instância, orientado sempre a satisfação das necessidades humanas, isto é, a sobrevivência. No conceito de função também é considerado a relação existente entre o objeto, a sua utilidade ( ou funcionalidade) e os grupos que farão uso desse objeto, tendo sempre como fim ultimo dessa utilidade(funcionalidade) a sobrevivência dos indivíduos ou grupos culturais. Malinowski busca com seu conceito de função  uma relação direta entre o particular e o universal.

Teoria das necessidades e o KULA

Malinowski estudou alguns rituais entre os povos nativos, Trobriands comprovando assim sua teoria da necessidade. Para ele a função básica a ser exercida por tais rituais, é a de preencher as necessidades fisiológicas em primeiro lugar, e psicológicas, secundariamente. Nas suas observações acerca do kula o autor percebe  que  as regras das trocas que acontecem no kula expressam relações sociais das quais emergem o poder, os mitos, os aspectos econômicos, etc. Ele admite o  Kula enquanto  fenômeno social porque observa que tal instituição do universo “selvagem” constrói um mundo repleto de significados, assim demonstra o conjunto de regras do Kula a partir das trocas do Soulava e do Mwali (braceletes brancos e colares vermelhos).

Instituição

Para o autor, as instituições são os núcleos de ordenação e correlação da totalidade integrada dos elementos da cultura. As instituições se apresentam como limites ‘naturais’, ou seja, são estabelecidas pela própria cultura. E não é o somatório dos aspectos da cultura, mas sim a sua síntese, sendo ainda unidade multidimensional.

Sexo e cultura 

Malinowski foi o primeiro antropólogo de campo a observar a representação fisiológica da reprodução na representação de uma sociedade tradicional, onde a grande peculiaridade residia na ampla liberdade sexual entre os nativos. A ênfase atribuída por ele a um aspecto considerado subjetivo na pesquisa de campo o aproximou da lógica e da importância da fertilidade num sistema social diferenciado e matriarcal. Malinowski captou as conversas nativas sobre o poder da reprodução humana, desempenhado pelo corpo feminino juntamente com o mundo espiritual (o Baloma), em detrimento do conhecimento da paternidade fisiológica dos nativos. Para ele o comportamento do trobriandês  não é nem irracional nem imoral, mas coerente e compreensível dentro das  premissas da cultura trobriandessas.

TRABALHO DE CAMPO

Malinowski chegou a Port Monesby depois de passar pela Austrália já em pleno inicio da Segunda Guerra mundial, o que lhe causou dificuldades adicionais, por ser austríaco e assim cidadão inimigo. Só retornou à Inglaterra depois do fim do conflito. Essas dificuldades políticas acabaram por contribuir para sua longa estadia no campo.

Retornou para a Austrália  em 1915 e obtendo mais recursos mediante a boa vontade de Seligmam, dirigiu-se novamente para o campo, desta vez para os arquipélagos que se estendem a noroeste do extremo oriental da Nova Guiné, fixando-se nas Ilhas Trobriand, onde permaneceu de junho de 1915 a maio do ano seguinte.

De volta à Austrália dedica um ano e meio ao estudo do material etnográfico coletado. 
Planejado ou não, esse interregno entre duas extensas permanências em campo revelou-se extremamente frutífero para Malinowski. 

Eunice Ribeiro Durham(1932)enfatiza que B. Malinowski colhia dados de maneira bastante segura, assim pode ser entendido o porquê do abandono sobre a idéia da incoerência na vida primitiva entre os pesquisadores após ter ele apresentado seu trabalho. Malinowski atribui a incoerência da vida primitiva à falha de observação passadas, e a partir disso reconstruiu um universo específico de outra cultura repleta de significados (DURHAN: 1986: 10). Ainda segundo Durhan, Malinowski levava em consideração na análise não só a ação, mas também a representação da ação, atingindo os verdadeiros significados dos fenômenos culturais quando mostra uma unidade multidimensional como fato social.

A pesquisa de Malinowski junto as Ilhas Trobiands fez dele um inovador na forma em coletar dados de campo, a partir dele a pesquisa social adquiriu um caráter mais envolvente com o objeto de pesquisa estudado e o pesquisador passou a participar diretamente do cotidiano social observado. Malinowski dedicou boa parte da vida na observação etnográfica, coletando dados que por ele eram vivenciados, correlacionados e entendidos, influenciando as ciências humanas, tanto na geração de pesquisadores contemporâneos a ele quanto em geração de pesquisadores posteriores, principalmente por ter ele percorrido diversos campos do saber em suas observações de campo.

 Malinowski observou o campo sob domínios de conhecimento advindos da psicologia, da economia, da religião, da sexualidade, entre outros saberes das ciências humanas. Essa característica própria de tentar tratar de tantos assuntos ligados à vida do homem no meio social advém de um longo tempo de trabalho etnográfico. Estranho seria se um Antropólogo passasse diversos anos convivendo cotidianamente com o seu campo de estudo e se limitasse apenas a tratar de um único assunto ou observar um único fato. O olhar Antropológico de Malinowski não se contentaria em limitar as observações de campo e por isso, muitas vezes, parte de suas teorias foram menos acabadas. Porém qualquer consideração que destrate a importância reconhecida de Malinowski dentro das Ciências Sociais são meramente desconhecedoras do impulso funcional aos dados descritivos que seu trabalho promoveu ou simplesmente não reconhece a façanha antropológica que ele elaborou estando em campo .

OBRAS

The Family Amoong the Australian Aborigenes (1913)
Crenças e costumes nativos sobre procriação e gravidez (1914)
Os Argonautas do Pacífico Ocidental (Argonauts of the Western Pacific, 1922)
The Scientific Theory of Culture (1922)
Crime e Costume na Sociedade Selvagem (Crime and custom in Savage Society, 1926)
Sex and repression in Savage Society (1927)
The Sexual Life of Savages in North-Western Melanesia (1929)
Coral Gardens and Their Magic: A Study of the Methods of Tilling the Soil and of Agricultural Rites in the Trobriand Islands (1935)
Magia, Ciência e Religião (Magic, Science, and Religion, 1948)
The Dynamics of Culture Change (1961)
Fontes:
Durham, Eunice Ribeiro. Bronislaw Malinowski: antropologia. São Paulo: Atica, 1986.
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/360252/Bronislaw-Malinowski
http://pt.wikipedia.org/wiki/Malinowski
http://antropologia1.blogspot.com/2005/01/biografia-bronislaw-malinowski.html
MALINOWSKI, Bronislaw. Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1970.  (Capítulos 2, 3 e 4)
MALINOWSKI, Bronislaw. Vida e Obra. São Paulo: Abril Cultural, 1978.( pags  VI e VII)