BIOGRAFIA
Alfred Reginald Radcliffe-Brown pertencia à geração de Malinowski, mas o seu contexto familiar não era cosmopolita e intelectual, e sim da classe operária inglesa. Ele nasceu em Sparkbrook, Birmingham, em 1881. Quando tinha cinco anos, faleceu-lhe o pai, deixando sua mãe na penúria. Ela trabalhava como “dama de companhia”, ficando as crianças aos cuidados da avó. “Rex” era aluno bolsista na King Edward’s School, em Birmingham, mas antes dos 18 anos trocou a escola por um emprego na biblioteca daquela cidade. Seu irmão mais velho, Herbert, encorajou-o a prosseguir nos estudos e sustentou-o enquanto cumpria um ano de ciências pré-médicas na Universidade de Birmingham. Ganhou depois uma bolsa de estudos do Trinity College, Cambridge, e em 1902 começou a preparar-se para os exames finais em Ciências Morais. O desejo de Brown era fazer exames de Ciências Naturais em Cambridge, mas o seu diretor de estudos insistiu em que era preferível apresentar-se em Ciências Mentais e Morais. (KUPER, 1978, p. 52). Foi incentivado por seus professores, especialmente Rivers, a mudar-se para Cambridge e estudar antropologia, tornando-se, em 1904, o primeiro aluno de Rivers em Antropologia. [...] Em 1926 mudou o seu nome, por registro em cartório, para Radcliffe-Brown, incorporando o nome de sua mãe; Estabeleceu a Antropologia Social na Cidade do Cabo e em Sidney, e recriou-a à sua própria imagem e semelhança em Chicago e Oxford. A ocupação da cátedra em Oxford permitiu-lhe estabelecer uma ascendência sobre a Antropologia Social britânica que durou até à sua morte em 1955 (KUPER, 1978, p. 53 e 56).
CRONOLOGIA
1881 – Nasce em Birmingham, Inglaterra, a 17 de janeiro.
1901 – Ganha uma bolsa (scholarship) no Trinity College em Cambridge.
1904 – Cola grau com honra de primeira classe e distinção especial.
1906 – É escolhido como Anthony Wilkin Student in Ethnology e nessa qualidade parte para fazer pesquisa entre os nativos das ilhas Andaman, no golfo de Bengala.
1906/08 - Faz pesquisas entre os andamaneses.
1909/ 1910 – Trabalha como professor (reader) de Etnologia na London School of Economics. Nessa época, visita a frança e entra em contato com Durkheim e Mauss.
1910 - Viaja para a Austrália com o fim de realizar pesquisa entre os aborígines.
1913 – Retorna à Inglaterra.
1914 – Participa de uma reunião da British Association for the Advancement of Science realizada na Austrália, onde apresenta uma comunicação sobre o totemismo australiano.
1916/19 – Trabalha como Diretor de Educação no Reino de Tonga.
1921/26 – Cria o Departamento de Antropologia da Cidade do Cabo.
1922 – Publica The Andaman Islanders.
1926/31 – Ocupa a primeira “cátedra” de Antropologia Social na Universidade Nacional Australiana em Sidney.
1930 - Publica The Social Organisation of Australian Tribes.
1931/37 – Leciona na Universidade de Chicago.
1935/1936 – Interrompe sua permanência nos Estados Unidos por um certo tempo, passando a ser professor visitante em Yenching, na China.
1937/46 – Ocupa a cadeira de Antropologia em Oxford.
1942/1944 – Professor visitante em São Paulo.
1946 – Renuncia à cadeira de Antropologia Social de Oxford e é imediatamente convidado para estabelecer o Departamento de Sociologia da Universidade de Faruk I, em Alexandria.
1950 – É escolhido Simon Visiting Professor da Universidade de Manchester.
1954 – Já doente dos pulmões, agrava sua moléstia com um tombo que quebra algumas costelas. Retorna à Inglaterra.
1955 – Em janeiro deste ano, levanta-se do leito de um hospital para presidir uma reunião realizada pela Association of Social Anthropologists, onde emociona-se com a ovação que recebe dos antropólogos, entre os quais se encontrava grande número de jovens com quem nunca tivera contato. Morre em 24 de outubro, em Londres.
FONTES TEÓRICAS
Entre os seus professores estavam Myers e Rivers, ambos psicólogos médicos e veteranos da expedição aos Estreitos de Torres, o empreendimento pioneiro em Cambridge na área da pesquisa antropológica de campo. O curso abrangia Psicologia e Filosofia, incluindo a Filosofia da Ciência, que era lecionada em parte por Alfred North Whitehead. [...] Guiado por Rivers e Haddon, Brown realizou um estudo das Ilhas Andaman em 1906-8. [...] A sua monografia inicial sobre Andaman concentrou-se em problemas etnológicos e refletia as propensões difusionistas de Rivers. Entretanto, não tardou em converter-se à concepção durkheimiana da sociologia [...] ao voltar-se para Durkheim, ele fazia parte de um movimento bastante generalizado na Grã-Bretanha nessa época. [...] Tal como o anarquismo de Kropotkine, para o qual Brown fora atraído enquanto estudante, a sociologia de Durkheim continua uma visão essencialmente otimista da possibilidade de auto-realização do homem numa sociedade metodicamente ordenada (KUPER, 1978, pp.52-54);
Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar o indivíduo principalmente como produto da sociedade. Enquanto Malinowski preparava seus alunos para irem a campo e procurarem as motivações humanas e a lógica da ação, Radcliffe-Brown pedia aos seus que descobrissem princípios estruturais abstratos e mecanismos de integração social [...]. Os “mecanismos” que Radcliffe-Brown esperava identificar eram de origem durkheimiana, análogos talvez às representações coletivas de Durkheim. Mas Radcliffe-Brown alimentava esperanças explícitas de transformar a antropologia numa ciência “real”, um objetivo que provavelmente não fazia parte dos planos de Durkheim. Em A Natural Science of Society, seu último livro (baseado numa série de palestras proferidas em Chicago em 1937 e publicado postumamente em 1957), ele explica a natureza dessa esperança (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 59);
Desde de Morgan os antropólogos estavam conscientes de que o parentesco era uma chave para compreender a organização social em sociedades de pequena escala. O que ainda não estava muito claro era o que essa chave abria. O uso durkheimiano, por parte de Radcliffe-Brown, da antiga idéia de Maine do parentesco como sistema “jurídico” de normas e regras tornou possível explorar cabalmente o potencial analítico do parentesco (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 60).
A especificidade de Radcliffe-Brown era o sistema de parentesco e foi esse o campo em que teve maior liberdade para desenvolver os seus próprios insights, uma vez que Morgan e Rivers tinham-se baseado em explicações históricas de parentesco e a escola de L’Année Sociologique negligenciara inteiramente o tópico [...] O eixo central do sistema de parentesco era a família – uma noção que Radcliffe-Brown tomou de Westermarck (KUPER, 1978, p.74 e 75);
Radcliffe-Brown sofreu a influência das teorias sociológicas de Durkheim antes da I Guerra Mundial, e os anos produtivos de sua carreira foram dedicados à aplicação dessa teoria às descobertas dos etnógrafos; uma atividade que ele compartilhou durante a maior parte de sua vida com Mauss, sobrinho de Durkheim [...] mas ele também permaneceu um evolucionista na tradição de Spencer (KUPER, 1978, p. 52 e 65);
Radcliffe-Brown compartilhou sempre do ponto de vista de Durkheim e Roscoe Pound, um ponto de vista relacionado “não com as funções biológicas mas com as funções sociais, não com o ‘indivíduo’ biológico abstrato mas com ‘pessoas’ concretas de uma sociedade (KUPER, 1978, p. 82).
CONCEITOS
Para Radcliffe-Brown, a antropologia é a “ciência natural da sociedade”: as sociedades são sistemas naturais que devem ser estudados segundo os métodos comprovados pelas ciências da natureza e a antropologia social não é profundamente diferente da sociologia, mas sim uma “sociologia comparativa”.
[...] a “estrutura social” [...] não é uma abstração. Ela consiste na “soma total das relações sociais de todos os indivíduos num dado momento do tempo. Embora não possa ser naturalmente vista em sua integridade em qualquer momento dado, podemos observá-la; toda a realidade fenomenal aí está”. [...] A forma estrutural está explícita em “usos sociais”, ou normas sociais, os quais se reconhece geralmente como obrigatórias e são largamente observados. [...] Um uso ou norma social “não é estabelecido pelo antropólogo... é caracterizado pelo que as pessoas dizem sobre as regras numa dada sociedade e pelo que fazem a respeito delas”. [...] Nascem novos membros da sociedade, o velho chefe morre e é substituído, pessoas se divorciam e voltam a casar; mas persistem os usos sociais. A estabilidade da forma estrutural depende da integração de suas partes e do desempenho por essas partes de determinadas tarefas que são necessárias à manutenção da forma. São essas as “funções” das partes do sistema. (KUPER, 1978, pp. 68-70);
[...] função é a contribuição que determinada atividade proporciona à atividade total da qual é parte (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 224);
A sociedade se mantém coesa por força de uma estrutura de regras jurídicas, estatutos sociais e normas que circunscrevem e regulam o comportamento. Na obra de Radcliffe- Brown a estrutura social existe independentemente dos atores individuais que a reproduzem. As pessoas reais e suas relações são meras agenciações da estrutura, e o objetivo último do antropólogo é descobrir sob o verniz de situações empiricamente existentes os princípios que regem essa estrutura. [...] A articulação feita por Radcliffe-Brown entre teoria social durkheimiana e materiais etnográficos e suas ambições no interesse da disciplina geraram um programa de pesquisa novo e atraente a quem afluíram pesquisadores talentosos, fato que por sua vez aumentou o prestígio da teoria (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 59 e 60);
Radcliffe-Brown concebeu um sistema de parentesco e casamento como um conjunto de usos sociais interligados que se baseavam no reconhecimento de certas relações biológicas para fins sociais. Ao investigar esse sistema concentrou-se em dois de seus aspectos: 1) os usos que governam as relações entre parentes e 2) os termos usados para se dirigir a parentes ou fazer-lhes referências. Todo e qualquer sistema classificatório funcionava segundo uma combinação de três princípios básicos: 1) princípio de “a unidade do grupo sibling”: irmãos e irmãs compartilhavam de um sentimento de solidariedade e eram tratados como uma unidade pelas pessoas de fora; 2) princípio de unidade do grupo de linhagem: as sociedades que operam com terminologias classificatórias de parentesco também possuem comumente linhagens (grupos solidários formados pelos descendentes numa linha de um só ancestral); 3) princípio de geração. A análise desses princípios pode ser vista em seu estudo das relações de gracejo (KUPER, 1978, p. 75-77).
TRABALHO DE CAMPO
Ele realizou trabalho de campo de 1906-1908, nas Ilhas Andaman, a leste da Índia, e publicou um relatório de campo, muito bem recebido, no estilo difusionista (ERIKSEM e NIELSEN, 2010, p. 58); [...] a observação direta era de escassa utilidade, e tinha que depender das recordações dos informantes. [...] Na época em que a sua monografia foi publicada (1922), [...] no que dizia respeito à pesquisa de campo, contentou-se em descrever o trabalho como um estudo de aprendizado, e apoiou-se maciçamente nos relatos etnográficos de um antigo residente das ilhas, E. H. Man, embora divergindo de suas interpretações especulativas. Foi para o campo como etnólogo e seu objetivo inicial, refletido em seu primeiro relato, era reconstituir a história dos andamaneses e dos negritos em geral (KUPER, 1978, p.58);
Quando Radcliffe-Brown partiu para a Austrália em 1910 [...] ficou uma vez mais evidente que o seu trabalho era etnografia “de levantamento e de aproveitamento de salvados”, [...] era estéril em comparação com o tipo de trabalho de campo de que Malinowski estava realizando nas Trobriand. [...] A preocupação central de Radcliffe-Brown em seu trabalho australiano foi com o sistema de parentesco e casamento, algo que ele não tratara com muita autoridade em seu estudo de Andaman (KUPER, 1978, p. 60 e 61).
CONTEXTO ETNOGRÁFICO
A maioria do trabalho de Radcliffe-Brown nas Ilhas Andaman foi realizado na Grande Andaman, isto por razões de dificuldade linguística. Acampou durante três meses na Pequena Andaman e fez um grande esforço para aprender a língua, até que finalmente desistiu, desesperado. Na Grande Andaman trabalhou inicialmente em indostânico, o qual era geralmente – ainda que de modo imperfeito – entendido pelos adultos mais jovens, e, depois de certo tempo, nos dialetos locais. Contudo, considerou que só conseguira realizar progressos substanciais na parte final de sua estada, quando descobriu um informante inteligente que falava inglês. [...] O arquipélago de Andaman tinha então uma população inferior a 1.300 habitantes e na época do estudo de Radcliffe-Brown já tinha sido tristemente afetado por epidemias de sarampo e sífilis, após a instalação de uma colônia penal e o início da colonização européia (KUPER, 1978, p.57);
Quando Radcliffe-Brown partiu para a Austrália em 1910 levou Grant Watson com ele, [...] a Sra. Daisy bates, etnógrafa amadora e filantropista, [...] e um marinheiro sueco, Olsen, que seguia como criado. [...] O primeiro destino da expedição era o local de um corroboree a leste de Sandstone, e o grupo estava começando a instalar-se para “iniciar a parte principal dessa tarefa, que consistia em organizar sistematicamente os fatos pertinentes ao sistema matrimonial de quatro classes”, quando foi interrompido por uma batida policial. Entretanto, depois desse incidente, os aborígenes mostraram-se relutantes em continuar suas cerimônias.
Radcliffe-Brown decidiu partir e, depois de uma altecação acalorada, abandonou a Sra. Bates, deixando-a entregue a sua sorte. Levou o resto do grupo para a Ilha Bernier, local de um hospital em regime de isolamento sanitário para aborígenes contaminados por doenças venéreas. Os ocupantes tinham sido em sua grande maioria seqüestrados e removidos à força para à ilha, e Radcliffe-Brown prosseguiu com esses infelizes informantes as suas pesquisas sobre os tradicionais sistemas matrimoniais aborígenes. Após um ano no campo, Watson partiu; acompanhado de Olsen, Radcliffe-Brown continuou estudando outras comunidades aborígenes estabelecidas em redor de postos missionários ao longo do Rio Gascoyne. As suas investigações na Austrália Ocidental foram guiadas em parte por sua conclusão, decorrente de um estudo da literatura, de que seria lícito esperar o aparecimento na área de uma certa variação de estrutura típica e essa conjectura foi recompensada por sua descoberta do sistema Kariera em 1911 (KUPER, 1978, p.59 e 60).
PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA
The Andaman Islanders (1922)
The Social Organisation of Australian Tribes (1930-31)
Structure and Function in Primitive Society (1952)
A Natural Science of Society (1957)
RADCLIFFE-BROWN NO BRASIL
Em 1942, Radcliffe-Brown interrompe suas atividades na Inglaterra para vir ao Brasil como professor visitante da Universidade de São Paulo (na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo). Tratava-se de uma missão empreendida sob os auspícios do Conselho Britânico para manter uma ligação cultural entre a Grã-Bretanha e a América do Sul. Essa missão por pouco não se teria realizado, pois o comboio em que Radcliffe-Brown embarcara foi atacado por forças inimigas, tendo de voltar à Inglaterra pouco depois de sair (MELATTI, 1978).
Em 1944, Radcliffe-Brown, à época residente em São Paulo, concedeu uma entrevista ao jornal Diário da Noite (27 de maio de 1944), opinando no sentido de retalhamento da Alemanha, e Antonio Candido, que escrevia regularmente para a Folha da Manhã, viu-se compelido a publicar uma resposta, dedicando uma coluna a contradizer as opiniões do mestre inglês. Nesse período, Radcliffe-Brown tinha 63 anos e Antonio Candido 26. A função de Radcliffe-Brown no Brasil era de diretor da Cultura Inglesa, mas também dava aulas na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, na Divisão de Estudos Pós-graduados, onde era assistido por Antônio Rubbo-Muller (em 1939, Radcliffe-Brown recebeu Rubbo-Muller na Universidade de Oxford para fazer seu doutorado, solicitando-lhe que redigisse um trabalho sobre os índios da América do Sul). Antonio Candido era assistente de Ciências Sociais na USP, apesar de ter feito sua Livre-Docência em Literatura Brasileira. O jovem conheceu pessoalmente o mestre quando quis ter acesso à biblioteca da Cultura Inglesa, mas apesar de o ter vislumbrado várias vezes passando pelas ruas da cidade, Antonio Candido não voltou a encontrar-se com Radcliffe-Brown. Segundo Thomaz e Cabral (2011), na tese de doutoramento de Antonio Candido, Os parceiros do Rio Bonito, a inspiração do estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown é patente. Tanto a entrevista com Radcliffe-Brown como a de Antonio Candido encontram-se no artigo Radcliffe-Brown v. Antonio Candido: um debate inacabado, disponível nesse blog.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ERIKSEM, Thomas Hylland Eriksen; NIELSEN, Finn Nielsen. História da Antropologia. 4 ed. Petrópoles: Vozes, 2010.
KUPER, Adam. Radcliffe-Brown. In: Antropólogos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
MELATTI, J. C. (Org.). Radcliffe-Brown: Antropologia. São Paulo: Ática, 1978.
RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. Estrutura e Função na Sociedade Primitiva. Rio de Janeiro: Vozes, 1973.
THOMAZ, O. R.; CABRAL, J. P. Radcliffe-Brown v. Antonio Candido: um debate inacabado. Mana, Rio de janeiro, v. 17, n. 1, p. 187-204, 2011
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